Eu lembro dela - homenagem às mães de Lençóis e do Brasil
Atualizado: 9 de mai. de 2020

Eu lembro dela como uma guerreira, um exemplo de mulher, lavando roupas de ganho no Rio Serrano uma a duas vezes por semana e a gente brincando no rio livres e felizes. Eu lembro dela sentada no final da tarde no passeio de casa cuidando de meus cabelos, um carinho tão gostoso que eu acabava cochilando em seus braços. Eu lembro dela fazendo o famoso bolinho de chuva para o café da manhã, que eu adorava. Eu lembro dela quando engravidei na adolescência me ensinando como deveria dormir, as roupas que deveria usar para não apertar e machucar o bebê, os chás que eu deveria evitar tomar e os que fazia bem, o banho sempre com água morna e cedo para não ter resfriado, todo esse cuidado que me fez ter uma gravidez tranquila e saudável. Eu lembro dela como minha Glória, minha fruta Gogóia, meu sorriso de criança contente, meu melhor tempero, melhor colo e a maior bronca também, uma mulher de jeito simples, mas sempre muito arrumada. Eu lembro que formamos uma tríade: eu, ela e meu pai. Eu lembro dela como força e base de toda a família. Eu lembro dela em sua luta como assistente social, devota de Irmã Dulce, trabalhando em penitenciária, dando força a quem não tem apoio em lugar algum. Eu lembro dela como exemplo de humanidade. Eu lembro dela vitoriosa porque sempre sorridente e brincalhona, cuidadora do mundo, mesmo lutando contra a morte várias vezes e enfrentando a criação de duas filhas sozinha. Eu lembro dela dizendo que a independência financeira e o respeito próprio da mulher tem que vir em primeiro lugar diante dos homens da família: meu avô, meu pai, meu padrasto, os chefes. Eu lembro dela dividindo tudo igualmente no terreiro com todas as crianças e dizendo que todos ali eram seus filhos. Eu lembro de não ver ela sair pra trabalhar 5hs da madrugada, e ver só quando voltava à noite 21h da fábrica de biscoitos. Eu lembro dela aos sábados acordando a gente 8hs para fazer faxina da casa e de nossos passeios de ônibus para a Praça da Sé para chupar picolé de côco e dar milho para os pombos. Eu lembro dela sentada na mesa me alfabetizando e me ensinando que o estudo era o único caminho pra nós mulheres. Eu lembro dela repetindo o ditado que meu avô dizia, que aprendeu com a sua mãe - mulher de nossa família tem que estudar prá não ser pilota de fogão de homem nenhum. Eu lembro dela sempre trabalhando, dia e noite e sem a oportunidade de estudar. Eu lembro muito dela quando já tinha educado seis filhos e já era uma senhora, fazendo cursinho de noite para prestar o vestibular e realizar seu sonho de estudar Direito na Universidade. Eu lembro o dia lindo em que a família toda gritou e chorou quando vimos o nome dela num jornal aprovada. Eu lembro dela como uma mulher nordestina do interior que carregou lata d'água na cabeça, enfrentou a pobreza e mudou o destino de todas nós. Texto Coletivo das Gestoras do Garimpei Roseane Bernardo, Renata Reis, Renata Semayanguê e Líllian Pacheco – prática de texto coletivo da Pedagogia Griô - Eu lembro dela